Após um mês de conversas diárias com um rapaz, a professora Renata*, 29 anos, estava otimista com a relação. Ele era um rolo do passado, que parecia ter reaparecido em sua vida para, enfim, dar certo. Eles saíram, ele a deixou em casa, marcou um novo encontro para a mesma semana… e desapareceu. Renata resolveu contatá-lo pelo WhatsApp e descobriu que ele tinha mudado a foto para uma em que aparecia com a ex-namorada. “Eu cheguei a ligar para ele e perguntar se ele sabia que estava com aquela foto no perfil. Ele disse que sim, que havia trocado justamente para me fazer entender e que não teríamos mais nada”, conta a professora.
Nos Estados Unidos, o fenômeno de sumir do mapa em vez de terminar o relacionamento é chamado de ghosting (uma derivação da palavra ghost, que quer dizer fantasma em português) e é tão comum quanto no Brasil. Em 2016, o site de relacionamentos PlentyOfFish – que conta com mais de 50 milhões de usuários – realizou uma pesquisa com 800 pessoas, na faixa etária de 18 a 33 anos, e 78% dos participantes assumiram terem sido vítimas de alguém que simplesmente desapareceu após alguns encontros.
O fenômeno não é exatamente novo, mas se tornou mais usual com o crescimento dos aplicativos e sites de relacionamentos e com a popularização das próprias redes sociais e apps de mensagens. “Se não estou gostando mais da interação com fulana ou beltrano, clico em ‘bloquear usuário’ e me livro dela ou dele. Simples assim. Isso é muito mais fácil do que encarar o outro e explicar os motivos pelos quais não estou disposto a me relacionar. É um reflexo de um mundo que cultua cada vez mais a velocidade”, diz o psicólogo Ghoeber Morales, mestre em Análise do Comportamento pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Para o psicólogo especializado em relacionamentos Thiago de Almeida, organizador dos três volumes do livro “Relacionamentos amorosos: o antes, o durante e o depois” (Polo Books), o pouco tempo de interação entre o casal também favorece o ghosting. “As pessoas tendem a julgar que não há intimidade suficiente para discutir a relação”, diz o psicólogo.
Falar o que incomoda é difícil
A estudante Ieda*, 21 anos, comumente desaparece da vida de seus pretendentes. “Às vezes, quando estou em dúvida ou a pessoa me irrita, preciso de um tempo para mim”, diz. “Eu tenho uma personalidade muito forte e preciso refletir sozinha sobre o que quero”, explica. Mas ela também enxerga o ghosting como uma estratégia para testar o quanto o outro está interessado. “Eu bloqueio a pessoa no Facebook, no WhatsApp e em outras redes. Se me ligar ou mandar SMS eu sei que sou importante para ela”, diz a estudante.
Fugir de conversas incômodas é um comportamento comum do brasileiro, conforme explica o terapeuta de casal Elídio Almeida, membro da Associação Internacional de Análise de Comportamento. “Se retirar em vez de tentar melhorar é uma estratégia observada em muitos contextos do nosso cotidiano: na empresa, que prefere demitir um funcionário a fazer um treinamento adequado e dar feedbacks; na escola, quando o professor reprova um aluno em vez de perguntar sobre suas dificuldades; na turma, se um amigo se afasta do outro em vez de falar que não gostou de tal atitude”, explica.
Mas é necessário
Terminar com alguém pode ser complicado pelo medo de magoar o outro. Mas a verdade é que machuca muito mais quem deixa o par sem qualquer explicação. Isso porque até a pessoa se dar conta de que o relacionamento realmente acabou, ela pode idealizar diversas situações: “Será que o celular dele foi roubado?”, “Será que ela está em uma viagem a trabalho, sem tempo de checar as redes sociais?”, “Será que o meu e-mail chegou mesmo?”. E quanto mais ela demora para entender o fora, mais tempo leva para seguir a vida adiante e partir para novos relacionamentos. “Traz muito mais segurança saber o que está acontecendo do que deixar a imaginação concluir”, diz Elídio Almeida.
E a postura deve ser a mesma em relação a todas as pessoas com quem rola algum tipo de envolvimento, de acordo com os entrevistados. Não importa se a relação durou pouco ou muito tempo. “Mesmo que você só tenha saído uma vez, é legal dizer à outra pessoa que não quer mais nada, que não vai rolar, que tentou, mas não deu certo”, diz Thiago de Almeida.
Como lidar com os sumidos
Porém, quando se está do outro lado, vale a pena prestar atenção a alguns sinais que entregam a intenção do par em desaparecer sem deixar rastros: diminuir a frequência do contato, adiar os encontros, enviar mensagens mais curtas e sem tanto conteúdo ou demonstração de interesse, deixar de curtir e comentar posts nas redes sociais são alguns deles.
Mas o que fazer diante de um sumiço depende do quanto você se importa com a relação. “É possível poupar a energia de uma conversa, já que o outro não teve o mesmo cuidado, se conseguir seguir em frente dessa forma. Caso precise de um fim oficial para sentir-se melhor, a pessoa não deve hesitar em procurar o outro”, diz Morales.
Na conversa, vale dizer algo como: “A gente se viu tal dia e, de repente, você sumiu. Está tudo bem? Foi algo que eu fiz?”. Dessa forma, você dá o primeiro passo para o outro se abrir, diz Elídio Almeida.
Caso o outro suma para depois voltar como se nada tivesse acontecido, a conversa deixará de ser opcional. “É preciso entender o que aconteceu na época e esclarecer o que cada um pretende com aquela relação. É possível acreditar de novo, mas tem que abrir o diálogo para evitar erros do passado”, diz o psicólogo. (Uol)
*nomes fictícios.
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