domingo, 5 de maio de 2013

O MONSTRO DO CIÚME: ESPECIALISTAS ANALISAM MORTES POR CRIMES PASSIONAIS


Não há no Brasil um estudo científico sobre o tema. Nem mesmo um trabalho estatístico com dados oficiais. Mas o fato é que, a considerar o noticiário policial no país inteiro, não dá para escapar à seguinte conclusão: em casos de ‘ciúme romântico’, o homem mata mais que a mulher. Em média, de cada dez crimes passionais noticiados, quando uma pessoa enciumada mata o parceiro, sete são protagonizados por homens.

E qual o motivo do desequilíbrio na balança? Análises psicossociológicas apontam na mesma direção: sentimento de posse que o homem tem em relação à mulher, principalmente no aspecto sexual, insuflado pelo ranço de uma sociedade ainda patriarcal, em que é dado ao homem e vedado à mulher o direito de ser infiel.

Na tentativa de lançar luz sobre o tema e permitir reflexões, O DIA reuniu textos literários, conversou com pessoas envolvidas diretamente em casos de ciúme exagerado e ouviu especialistas — que se propuseram a analisar três aspectos da questão: o que é o ciúme e como ele atua em homens e mulheres; como esse sentimento age na pessoa abandonada pelo parceiro ou em alguém convencido de estar sendo traído (real ou fantasiosamente); e de que forma se chega às tragédias. A soma dessa ampla pesquisa será exibida em três capítulos consecutivos, a partir de hoje.


O NASCIMENTO DO MONSTRO
O psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Ferreira Santos, em seu livro ‘Ciúme: o medo da perda’, que já se tornou referência na abordagem do assunto, observa que o ciúme é um sentimento de apreensão relacionado à possibilidade de uma pessoa ser abandonada, rejeitada, menosprezada, ou ainda de haver uma infidelidade a caminho. É o receio de não ser mais amado, de não possuir ou ser dono de alguém. A sensação de ‘pertencimento’ fica comprometida e ameaçada.

O ciúme funciona como um dispositivo de alerta. Quando o sinal laranja acende na cabeça do ciumento, ele sente como se não estivesse mais conectado com o parceiro como gostaria. E por que, na maioria das vezes, homens e mulheres reagem a essa gama de sentimentos e sensações de formas diferentes? Quem explica é o psicólogo Thiago de Almeida, professor na Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do artigo ‘O ciúme romântico e os relacionamentos amorosos heterossexuais contemporâneos’.

“Há 10 mil anos, o homem das cavernas tinha expectativa de apenas 23 anos de vida e precisava procriar o máximo possível nesse pouco tempo. Era uma questão de sobrevivência da espécie. O homem não permitia que a mulher tivesse outros parceiros sexuais porque, se ela engravidasse de outro, era menos um ano na vida dele para pôr seus descendentes no mundo. E criar filhos alheios significava gastar recursos evolutivos (água, frutas, caça) para preservar a prole de outro, em detrimento da sua própria prole”, analisa o psicólogo.

Já a mulher via o homem como o seu provedor e protetor. “O temor de o macho se interessar por outra fêmea se prendia à ameaça de ser abandonada. Ela não queria perder o protetor e o mantenedor, dela e dos seus filhos, e de ver rompida a sua ligação emocional. Portanto, os ciúmes de homens e mulheres tinham foco distinto”, afirma Almeida.

Segundo o psicólogo, nos tempos atuais, a cultura é outra e até relativiza essas questões, mas o cérebro continua o mesmo, principalmente em casos de suspeita de traição. Na mente de quem foi atacado pelo “monstro de olhos verdes”, como William Shakespeare definiu o ciúme na obra ‘Otello’, um suposto rival passa a ser visto como potencialmente mais atraente e gratificante do que ele, gerando sentimentos como desconfiança, medo, angústia, constrangimento, raiva e rejeição, entre outros.

“O homem continua não admitindo a mera possibilidade do ‘lavou tá limpo’. Quando conquista uma mulher, ele a conquista sexual e emocionalmente. Se ele acha que a mulher está interessada em outro, se sente duplamente traído. Na sociedade patriarcal que ainda vivemos, existem dois pesos e várias medidas para tratar de ciúme e infidelidade. De cada dez mulheres traídas, sete perdoam seus parceiros. O homem não. Ele quer exterminar o objeto do ciúme”, avalia Almeida.


DE CIUMENTA OBSESSIVA A PERSEGUIDA PELO NAMORADO


Uma mulher de porte e presença. Essa é Luciana (nome fictício), de 36 anos, que experimentou os dois lados de uma mesma moeda: de ciumenta patológica, daquela que manipulava porteiro e empregada do ex-namorado para saber o que ele fazia depois de chegar em casa, ao papel de coagida, amedrontada, chantageada e até agredida, quando quis terminar um outro relacionamento.

“Posso garantir o seguinte: o ciumento tem a auto-estima baixa. Eu sempre conquistei os homens, até encontrar um que não deu a mínima para mim, se relacionava comigo mas parecia que não se importava muito com a relação, e eu passei a me sentir rejeitada. Aquele sentimento despertou em mim um ciúme doentio e passei a infernizar a vida do meu namorado. Eu tomava conta dele o dia inteiro, telefonava várias vezes, seguia o rapaz, estava sempre enxergando possíveis traições onde elas não existiam. E sofria muito, porque o ciumento exagerado sofre muito”, contou Luciana.

Ela precisou de ajuda e se integrou ao grupo Mulheres Que Amam Demais Anônimas (Mada), na busca de equilíbrio psicológico e emocional. "Eu não queria ser aquilo, eu nunca tinha agido daquela maneira. Com o amparo do grupo, pude me desvencilhar daquela relação doentia e deixar de fazer tanto mal ao rapaz”, confidenciou.

A paz de Luciana não durou muito. Meses depois, conheceu o que pensou ser “um doce de homem”, como ela o descreveu: repleto de atenção e carinho.“De repente, ele passou a me investigar e, por fim, descobriu a minha senha nas redes sociais. Eu mudo a senha e ele descobre novamente. Entra no meu Facebook e deleta meus amigos e fotos que eu posto. Passou a me perseguir, me vigiar.

Estou vivendo esse drama há dez meses, sem conseguir terminar o namoro, porque ele me chantageia. Descobriu um e-mail antigo que mandei a um ex-namorado e ameaça entregá-lo à minha filha. Uma vez, depois de dirigir feito um louco, como se fosse nos matar, parou na porta de casa e me deu um empurrão", contou, mostrando constrangimento.

Medo de que ele a mate? Luciana diz não ter esse temor. “Acho que ele não seria capaz. Mas quando tento terminar o namoro, dá um ataque de ciúme, fica falando em morrer, diz que a vida não tem sentido sem mim”, descreve a mulher. No dia da entrevista, que durou duas horas, o rapaz ligou nada menos que 22 vezes para Luciana.


SENTIMENTO DE POSSE LEVOU À MORTE

O ciúme e a falta de controle emocional e psicológico diante uma perda formaram o enredo da tragédia que teve como personagens principais os jornalistas Antônio Marcos Pimenta Neves e Sandra Gomide. Ele, então com 63 anos de idade, ela com 32, iniciaram um romance em 1995, quando se conheceram no jornal Gazeta Mercantil. Dois anos depois, Pimenta Neves foi ser o diretor de redação do jornal O Estado de São Paulo, para onde carregou a amada, que passou de repórter a editora de Economia.

Ao fim de quase quatro anos, Sandra terminou o relacionamento e, de acordo com depoimentos no processo judicial, Pimenta deu início a uma série de perseguições, que se iniciaram com a demissão da ex-namorada.

Certa vez, como consta nos autos, o chefão do jornal Estadão invadiu o apartamento de Sandra e, de revólver em punho, teria esbofeteado a ex duas vezes, exigindo que ela devolvesse os presentes que ele lhe dera. A jornalista registrou a agressão na polícia.

Em agosto de 2000, Pimenta Neves esperou Sandra num haras, em Ibiúna, São Paulo, e desferiu-lhe dois tiros, sem que ela tivesse a mínima chance de reação. Segundo uma testemunha, a moça ainda pediu que ele não a matasse.


HISTÓRIA DA BÍBLIA JÁ RETRATAVA MACHISMO

Uma das histórias da Bíblia, no Livro Gênesis, retrata com exatidão o que é uma sociedade patriarcal e o papel da mulher nesse contexto. Cerca de dois mil anos antes de Cristo, Sara, mulher de Abraão, o líder da tribo, não conseguia engravidar.

Ela sabia o quanto era importante para o marido fincar sua descendência no mundo e não titubeou: ordenou que sua escrava Agar mantivesse relações sexuais com Abraão, com o único objetivo de lhe dar um filho. A contraditoriedade da situação é que, de acordo com as leis locais na época, a mulher adúltera tinha de ser apedrejada até a morte. O homem podia ser infiel, com ou sem autorização da esposa. A mulher, jamais.

Essa história bíblica, se realmente aconteceu, foi há mais de quatro mil anos. 

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